(*) Arthur Albino dos Reis
Não é difícil ouvir cidadãos dizendo ter precatório a receber do Poder Público, da Prefeitura (Município), por exemplo, e não recebe. Assim como de herdeiros recebendo por herança créditos decorrentes de precatórios. Daí vem a questão: o que são precatórios? Para os Operadores do Direito não é novidade. Para o leigo, para aquele que não tem familiaridade ou obrigação de conhecer terminologias forenses, fica a indagação. Pois bem. Vamos lá!
Precatórios são instrumentos utilizados pelo Judiciário para requisitar do poder público o pagamento de dívidas decorrentes de processo judicial transitado em julgado. Depois que a Justiça der ganho de causa definitivo ao cidadão condenando o ente federativo a indenizá-lo, o juiz expede um documento, nos moldes de ofício, endereçado ao Presidente do Tribunal de Justiça, a quem cabe, por força constitucional, adotar as providências necessárias para que o pagamento se concretize.
Após o recebimento do pedido, o Presidente do TJ autoriza o início do processo de precatório, que é formado a partir de informações prestadas pela vara, e que passa a ter andamento na Coordenadoria de Conciliação de Precatórios, unidade vinculada à Presidência. A requisição é materializada em documento encaminhado pelo Presidente do Tribunal, ao ente público devedor, que deve incluir o valor devido em seu orçamento e realizar o repasse de recursos para pagamento. As contas em que são depositados os recursos destinados ao pagamento de precatórios são administradas pelo Tribunal, que realiza o pagamento aos credores segundo uma lista cronológica organizada conforme a data de apresentação do precatório, uma espécie de fila organizada.
De acordo com § 5º, do art. 100 da Constituição Federal, “É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente”.
Na prática, no entanto, não é o que se vê. Os credores de precatórios morrem e não recebem seus créditos do poder público. Transferem seus créditos aos herdeiros que também ficam a ver navios. Não bastasse, as regras constitucionais são alteradas em benefício dos devedores (Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais), prorrogando prazo para pagamento dos precatórios, que também não são honrados e nada acontece.
Recentemente, no último dia 30 de novembro de 2023, a OAB Nacional obteve decisão favorável em Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 7064, movida no Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação (ADI 7064) se questionou a constitucionalidade de diversas normativas, como a Emenda Constitucional 114/2021, conhecida como “PEC do Calote”, que criavam obstáculos para o pagamento de precatórios ao cidadão, “ao autorizar o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios”. Entre elas, estão o § 9º do art. 100 da Constituição Federal; o § 5º do art. 101 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT); o art. 107-A do ADCT; os arts. 3º e 5º da Emenda Constitucional 113/2021; e o art. 8º da Emenda Constitucional 114/2021.
Em julgamento virtual, o ministro do STF Luiz Fux decidiu parcialmente em favor do Conselho Federal da OAB, bem como da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que também figurou como requerente no processo.
Dentro desse cenário, na Pérola do Atlântico, temos a Lei Municipal nº 4.456/2017, instituindo a Câmara de Conciliação para celebração de acordo individuais envolvendo precatórios, mediante algumas regras, evidentemente, dentre elas o deságio de 40% (quarenta por cento) para os créditos de precatórios inscritos na ordem cronológica de pagamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Os credores interessados podem apresentar suas propostas até 19/01/2024, mediante o preenchimento de formulário específico, instruído de extenso rol de documentos, para análise e julgamento da Câmara de Conciliação de Precatórios, conforme Edital nº 002/2023, publicado no Diário Oficial de Guarujá de 22/12/2023.
Sinceramente tenho dúvidas ser a Lei nº 4.456/2017 boa ou ruim. Talvez as duas coisas. Boa, por se vislumbrar o recebimento do crédito a curto ou médio prazo. Ruim, por ser absurdo o Poder Público impor aos seus credores um deságio de 40% (quarenta por cento) para receber o que lhes são devidos, assim reconhecido por sentença judicial transitada em julgado (definitiva). A condição de pagamento imposta pela Prefeitura de Guarujá – assim como qualquer outra – beira as raias da imoralidade. Própria do mal pagador e oportunista que aproveita da necessidade e desespero alheio. Forma coercitiva de exigir do credor e de seu advogado a aceitação expressa de todos os termos do acordo previstos no edital de convocação e na Lei Municipal nº 4.456/2017. É pegar ou largar. Assina com o desconto de 40% (quarenta por cento) ou sabe-se lá Deus quando vai receber o que tem direito por lei. Lei! Ora, a lei, já dizia o presidente Getúlio Vargas.
(*) Advogado (OAB/SP 43.616) da “Reis e Guimarães Advogados Associados”