Arthur Albino dos Reis
Trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral. Quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP (Trabalho Infantil Proibido), a proibição se estende aos 18 anos incompletos.
Pois bem. Em plena temporada de verão, com praias lotadas de banhistas vindo de todas as partes do país e do exterior, com aumento da possibilidade de emprego, ainda que informal, veio a notícia de decisão judicial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenando a Prefeitura (Município) de Guarujá ao pagamento de uma indenização de R$ 300 mil por danos morais coletivos devido a violação dos direitos da criança e do adolescente por trabalharem nas praias da Cidade.
A condenação pecuniária não parou aí. Querem ainda os ministros, por maioria, atendendo pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), que a Prefeitura destine no próximo exercício financeiro parte do orçamento municipal (1,5% no primeiro ano e 2,5% no segundo) na criação de políticas voltadas à erradicação do trabalho infantil na orla marítima da Pérola do Atlântico, sob pena de multa diária de R$ 20 mil.
A decisão, que não é definitiva – a Prefeitura diz que dela vai recorrer – modificou as do Juízo de primeiro grau e do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que haviam julgado improcedente os pedidos do Ministério Público por as pretensões do MPT caracterizarem violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes, não cabendo à Justiça do Trabalho forçar o Poder Executivo destinar orçamento e implementar ações no combate ao trabalho infantil. Para o MPT a ação proposta visa dar efetividade às normas constitucionais e ordinárias de proteção à criança e ao adolescente. No mesmo sentido, o entendimento do relator do recurso no TST: “o Poder Judiciário detém competência para, em situações excepcionais, determinar a implantação de políticas públicas, com vistas a assegurar a concretização de direito fundamental essencial, sem que isso implique violação ao princípio da separação dos poderes”, diz o ministro.
Entre as graves violações aos direitos da criança e adolescente, em razão do trabalho precoce nas praias da Cidade – que ocorre em todas as praias do Brasil –, estaria o trabalho pesado sob sol intenso em barracas de praia e carrinhos ambulantes, em locais que comercializam bebida alcoólica e em situação de vulnerabilidade para fins de exploração sexual (???). A omissão da Prefeitura (Município) na fiscalização, ainda segundo o MPT, vem causando danos de natureza patrimonial e extrapatrimonial a toda a sociedade.
Mais ainda: o Município deverá criar “uma política contínua de fiscalização e identificação de crianças e adolescentes vítimas dessa prática. O encaminhamento e o acompanhamento desses jovens devem estar definidos em plano de trabalho” para “tratar da educação e da formação profissional e do acompanhamento e do cadastro das famílias em programas de assistência social”, a ser apresentado em 120 dias e “construído em conjunto com o MPT e com a participação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Ministério Público Estadual”.
Difícil vai ser cadastrar as crianças e adolescentes consideradas “vítimas” por trabalharem nas praias. Igualmente seus responsáveis, que possivelmente não concordarão com os “programas de assistência social”, elaborados dentro de gabinete com ar-condicionado, fora da realidade em que vivem. As famílias das “vítimas” querem, isso sim, comida na mesa. Tirar seus filhos da rua, do ócio. Hoje, chefes de família, homens de bem, como seus filhos trabalharam nas praias da Cidade. Ao contrário dos ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por mais bem intencionados que estejam, não veem violação aos direitos dos menores, que também estudam, brincam, se socializam com outras crianças no desenvolvimento de suas faculdades de forma integral. Na minha infância, com 14 anos de idade, durante minhas férias escolares, sob sol escaldante, vendi pipas na praia das Pitangueiras para ajudar meus pais. Nunca me senti vítima. Assim também não me olhavam.
A decisão do TST é polêmica. Ainda vai dar muito que falar. Há quem já esteja dizendo nas redes sociais, em repudio à sentença do colegiado do Tribunal, que “já que acha errado o menor trabalhar então é mais fácil roubar, furtar ir nos bailes fank, vender drogas, porque a pessoa que fez a denúncia não vai nos pancadão que existe no guarujá. Lá sim vcs vão menores se prostituindo vendendo droga e usando. Agora a pessoa está trabalhando do pra levar o sustento pra causa é errado” (sic); “Antigamente os moleques pegavam uma idadezinha e já iam aprender um ofício, em oficina mecânica ou outro qualquer, e se formavam homens trabalhadores e bons chefes de família, aí surgiu esses bocós que se travestem de protetores da infância e o que se vê hoje, senão menores infratores? (sic)”; “Trabalhar para ajudar a família não pode, mas vadiar pedindo esmolas, se drogar, traficar, roubar, furtar, e até matar pode?” E com pena mínima? Só no Brasil mesmo” (sic).
Sem mais comentários, aguardemos o desfecho do recurso da Prefeitura.
Arthur Albino dos Reis
Advogado (OAB/SP 43.616) da “Reis e Guimarães
Advogados Associados”